sábado, 29 de dezembro de 2012

Refúgio

Ela abriu os olhos, devagar. A luz do sol machucava seus olhos, fazia com que ela se protegesse com a palma das mãos. Era uma manhã de primavera, com pequenos insetos pela grama, subindo em suas pernas, enquanto o farfalhar da grama fazia seus ouvidos coçarem.

"Atrasado de novo", ela pensou; e sentou-se, olhando à volta. famílias felizes brincando no parque, aproveitando alguns instantes antes do almoço. Apesar de ainda manhã, a hora já fazia-se bastante avançada.

Era sempre assim, e ela nunca aprendia. Devia passar a chegar mais tarde, visto que ele sempre se atrasava. Só porque tinham combinado de almoçar juntos e ela já estava ficando com fome. Dois meses de namoro e ele não tomava jeito. Engraçado que, quando criança - ela pensava- ele era sempre pontual; ela sempre o via já na escola enquanto ela ainda cruzava os portões...

E pensar que naquela época, ela não ia muito com a cara dele; o cabelo bagunçado, aquela tira de couro no pulso, que ele chamava de pulseira, os tênis com cadarços diferentes, tudo incomodava. Pode ser que ela estivesse enganada também, ela já se sentia atraída e não tinha consciência disso.

Os minutos passavam e nada de ele aparecer. Ela tentou ligar, mas encontrou apenas a resposta da caixa de mensagens. Ele não viria, tinha que se conformar com isso. Tinha tomado um cano.

Levantou da grama e foi andando na direção da lanchonete mais próxima; já que o almoço romântico tinha sido estragado, pra quê se incomodar em comer direito?

Foi quando ela o viu, pelo canto do olho. Não sabia quem era, mas tinha a nítida impressão de já tê-lo visto antes. Um arrepio percorreu sua espinha, ainda que não soubesse o porquê; mas tão rápido quanto ela tinha visto, ele desapareceu. Devia ter sido apenas impressão.

Ela comeu seu sanduíche devagar, ainda um pouco contrariada, mas não podia fazer nada naquele momento, apenas chamar a atenção dele quando se falassem. Tentou ligar novamente; desta vez ninguém atendeu. A primeira coisa que ela pensou foi "esqueceu o celular em casa"

Estava desapontada, desanimada. Pegou o ônibus e foi cabisbaixa pra casa.  Mudou de idéia no meio do caminho. Já que ele não teve consideração por ela, ela ia passar o dia fazendo coisas que gostava. Desceu na esquina do shopping, foi ao cinema, sessão dupla, porque ela julgava merecer, com bastante pipoca e refrigerante. Light, claro.

Riu de uma comédia romântica pastelão, daquelas que desde o início você sabe o que vai acontecer, e emendou com um filme de ação, daqueles com tantas balas e explosões que você acha que vai encontrar alguma cápsula perdida pelo cinema. Andou pelos corredores do shopping, mas nada chamou sua atenção o bastante pra comprar.

Mas ao virar um corredor, jurava tê-lo visto novamente, o homem que tinha visto mais cedo; e tão rápido quanto antes, ele novamente sumiu. Seria coisa de sua imaginação? Bem possível que fosse. Já que seu namorado não aparecia, homens misteriosos a estavam observando. Só assim pra se sentir desejada né? Em imaginação.

Riu sozinha enquanto via o sol descendo no horizonte através da parede de vidro. Já era tão tarde assim? Então era verdade que quando as pessoas se divertiam o tempo voava.

Não estava tão longe de casa, decidiu caminhar um pouco, pensar na vida, e em como aquele dia pra si mesma tinha sido bom.

Estava ali, caminhando, absorta em seus pensamentos, e nem reparou nos passos atrás dos seus. Quando se deu por conta; o coração acelerou, ela empalideceu e forçou as pernas pra tentar correr; todo o resto era  escuridão. Ela tentou gritar, e de repente, abriu os olhos.

Um sonho, um maldito pesadelo.

A dor a atingiu de repente, o sabor metálico na boca, que ela não conseguia fechar e não entendia o porquê, apenas sentia algo de metal, que a impedia de fechá-la. As mãos presas numa espécie de mesa. As pernas latejavam, como se estivem passando do período de dormência; sentia que estava nua, mas não lembrava de como tinha ido parar ali.

Invocou a todos os deuses e santos que conhecia. Foçou as mãos tentando, em vão, libertá-las, tentou erguer o corpo, mas viu que não conseguia.

Foi quando o cheiro tomou conta dela. Cheiro de excremento. Forte, como se não fosse limpo há muito tempo. Sentiu o vômito se formando na garganta dela; quis fechar a boca pra impedir e não conseguiu. Estava ali, debruçada, com aquela poça de vômito na frente do seu rosto, nua, naquele cômodo escuro.
Teve vontade de chorar quando o desespero tomou conta dela, mas por algum motivo as lágrimas não vinham.

Ouviu um ranger de metal seguido do surgimento de luz. Uma silhueta masculina "ahn, você se sujou? Vou ter que limpar de novo?" seguido da porta se fechando novamente. Ela ouvia os passos dele chegando perto, sentiu um pano fétido passado pelo seu rosto, limpando seu vômito. "Seja uma boa menina que logo eu trago sua janta".

Ouviu os passos dele cada vez mais distantes, e a luz inundou o cômodo novamente. Desta vez ela o viu, seu namorado. Uma massa de carne inerte, com o pescoço virado num ângulo impossível, perto da porta. As lágrimas caíram, finalmente. Não era sonho, era o que tinha acontecido realmente; ela estava ali, nas mãos de um desconhecido.

Ele acendeu a luz de repente. Os olhos lacrimejantes dela fecharam dolorosamente. "Ahn... está chorando? Está com saudades? Acho que está sentindo falta de mim... eu vou cuidar de você"

E ela nem podia gritar quando o viu abrindo o zíper da calça e se dirigindo para as costas dela. Não podia se mexer, não podia gritar, só podia chorar, e sentir dor. Decidiu então fechar os olhos, e pedir com todas as forças que sonhasse, sonhasse com um lugar longe dali, de uma vez por todas.