quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Distância

   Três pontos. E eis que é assim que termina; um final apropriado, com reticências no lugar de um ponto final, desejoso de uma continuação, ansioso por uma sequência, que todos sabemos que não virá.
   Todas as coisas devem ter seu fim, lembro-me de ter lido isso várias vezes, mas minha vida sempre foi tão cheia de finais, por vezes penso que tive mais términos do que princípios, se é que isso pode acontecer. O fato é que, não sei o motivo, mas os términos são uma constante, uma companhia frequente na minha existência torturada, que tende ao drama e aos períodos longos se não sou interrompido...
   Mas do quê é composto o fim? Quase nunca por duas vontades, quase sempre por uma imposição, às vezes pelo ego, outras vezes por abnegação; mas quase sempre pela distância que separa dois (ou mais) corações. Divergência de interesses, conflitos de opinião, ou ainda o "não é você, sou eu", que escapa por lábios murchos enquanto olhos maquiavélicos encaram o chão"
   Eu achei que era capaz de tolerar a distância entre os nossos corações, mas não esperava ter seu coração indo cava vez mais distante, numa direção oposta à minha. Chega uma hora em que é necessário saber parar, conseguir ceder, abandonar o barco antes do naufrágio, mas decididamente eu nunca sei quando é essa hora, apesar de todas as falhas e fracassos e términos pelos quais já passei, seja como ator ou espectador.
   Nada sei sobre a sua busca, ainda que eu acreditasse ser capaz de decifrar cada uma das linhas do seu rosto. Já não reconheço mais a temperatura da sua mão quando ela encostava na minha; e quão poucas eram essas vezes! Seus olhos não eram de cigana oblíqua, tais como os de Capitu, mas de uns tempos pra cá perderam o brilho, ou talvez eu tenha desenvolvido catarata sem saber.
   "Terminar não significa que o amor acabou" você disse, mas eu não acredito em tais coisas. Términos são términos, pessoas são pessoas, e desde que o mundo é mundo, separações fazem parte da vida, mesmo que a gente não queira acreditar nelas. Na verdade, a gente não acredita, a gente tem que aprender a lidar, porque não tem volta.
   "Ahn, mas se tudo der certo, podemos voltar". Não podemos. Não somos mais as pessoas que éramos antes e não acho que consiga cobrir essa nova distância que separa o seu coração do meu, porque agora, acima de tudo, acrescentei a distância do meu cérebro ao meu coração.
   Se pode servir de consolo (a mim, óbvio), foram dias felizes. Dias com muitos sorrisos, algumas decepções, como sempre deve ter na vida, mas dias de sol e chuva repletos de tudo o que eu podia esperar. Plenos, se é que eu posso usar essa palavra. Sem arrependimentos, sem mágoas, sem certezas absolutas.
   Hoje mais cedo um dente de leão voou pela janela da sala, dançou pelo ar um pouco abaixo da lâmpada e saiu, tão enigmático, frágil e etéreo como tinha entrado. Será que era um presságio? Um aviso? Um dente de leão intruso pra me mandar uma mensagem paranóica e maluca? Não, era apenas um dente de leão me ensinando o que somos na vida um do outro; e não apenas você  eu, mas todos. Nós chegamos sem pedir licença, ficamos algum tempo, às vezes pra sempre, ás vezes poucos instantes, e saímos, mas deixamos a lembrança de que estivemos ali, de alguma forma.
   E é assim que eu vou, nessas reticências disfarçadas de adeus...

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Fogos de Artifício

   Ainda lembro do nosso primeiro encontro; da forma como eu fiquei sem ação quando você me pediu um beijo, e me agarrou quando ninguém estava olhando. Não é que eu não quisesse, mas eu não esperava que você tomasse a iniciativa, ainda mais em público, sendo tão contido como você é. Foi divertido; eu senti seu coração palpitar por sob a blusa, mas pra ser sincero achei o beijo meio seco e sem-graça. Que bom que você corrigiu isso depois!
   O segundo encontro foi menos exótico, mais tradicional. Você se comportou direito, e eu quem fiz travessuras daquela vez. Você lembra?
   De repente, paramos de contar os encontros, de tão frequentes que eles se tornaram. Alguns foram ótimos; outros nem tanto; mas quase todos deixaram gostinho de quero mais, então a gente foi levando, e levando, até que decidimos ficar juntos.
   De lá pra cá, correram semanas, meses. Algumas brigas, porque não tinha como ficar tudo maravilhoso, mas a gente sempre conseguiu se entender, o que sinceramente, é novidade pra mim; e acredito que seja novidade pra você também.
   E mesmo depois de tanto tempo eu fico sem palavras de ver o brilho nos seus olhos quando estamos juntos, e imaginar a festa que acontece no meu coração quando a sua mão segura a minha: confetes, serpentina, fogos.

E que seja apenas o começo de um longo período juntos, e que se renove sempre.

Escolhas

   Eu queria que você entendesse - e aceitasse- que as coisas entre nós nunca vão mudar. Você sempre será parte de mim. Uma parte importante, daquelas que a gente nunca pode nem consegue se livrar. Uma parte dolorida, é verdade, carregada de lembranças desagradáveis e que fazem o coração doer; mas também uma parte que me deu muitos sorrisos, e ainda dá alguns, quando lembro das coisas boas que tivemos.
   O afastamento era inevitável. E acredito que foi tão bom pra você quanto foi pra mim. Precisávamos colocar as coisas no lugar. A cabeça no lugar, por assim dizer. Lágrimas rolaram, travesseiros foram abraçados, insultos foram ditos, seguidos de arrependimento às vezes. Poucas vezes na verdade. É, sendo honesto, não me arrependo. Gostaria de dizer que sim às vezes, que estava errado, mas lá no fundo sei que não estou.
   E os dias abafados de verão passam devagar enquanto eu olho o horizonte infinito, esperando por algo que não vem.
   Que a verdade seja dita, eu tenho evitado escolhas difíceis; tenho me mantido afastado do ponto sem retorno, justamente por ser o que é: sem retorno. Gosto de pensar que, caso algo de errado aconteça, eu tenho um porto seguro pra voltar, o que é muito raro nos tempos em que vivemos; cada vez mais rápido, cada vez mais intenso, de forma que tudo o que conseguimos discernir em nossa frente são borrões multicoloridos, às vezes vindo ao nosso encontro.
   Mas nunca é assim, e eu tive que aprender da pior forma, experimentando, sentindo cada cicatriz se formar na minha alma enquanto caminhos eram fechados, enquanto estradas imaginárias se desfaziam e pessoas davam adeus, sem mesmo saber que estavam se despedindo. Cada porta aberta significava também uma fechada, e não adiantava perder tempo pensando nisso.
   Os dias e meses passam mais rápido agora. Parece que faz tanto tempo que nos despedimos que eu nem consigo mais lembrar com exatidão, e nem foi tanto tempo assim; mas a mágoa e a vida me endureceram. Acho que nos endureceram né? E eu continuo com esse meu hábito de escrever sobre o nada, para ninguém. Escrevo porque acho melhor que dizer. Faz com que eu tire certas coisas do peito e deposite num cofre ao qual poucos têm acesso.
   Eu queria dizer que escolhi o novo. Escolhi a mudança. E isso significa abandonar tudo o que você representou pra mim. Desfaço os laços, quebro os vínculos, apago as mensagens e rasgo as cartas.
Sua aliança eu vou mandar pelo correio. Não acho justo continuar com ela quando é de família.
   Ainda gosto muito da sua mãe, apesar de provavelmente achar que eu não presto; e não posso culpá-la; se um dia achar oportunidade pra isso, diga o quanto gostava de conversar com ela.
   Por último, e acho que mais importante, deixo a chave do apartamento com você. Decidi mudar de ares, mudei de apartamento, mudei de cidade. Mudei de cabelo também, não que isso importe.
   De qualquer forma, junto com sua aliança vai a chave. Essa é a última porta que estou fechando porque dentro de mim, sei que de algum jeito as coisas agora vão dar certo. As próximas escolhas serão mais fáceis; eu só precisava dar o primeiro passo fora da sua vida.

PS: Não se culpe por nada, o aborto foi espontâneo. Eu estava zangada e quis que você se sentisse culpado. Pode me xingar por isso.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Perdas...

Tenho ciúmes porque já me acostumei a perder. De pés de meia a amigos. De brincos a namorados; as perdas apenas se acumulam e se sucedem, uma depois da outra.

Começou muito cedo, bem antes do que eu possa lembrar de forma clara, mas eventualmente, as pessoas acabavam se afastando de mim sem que eu tivesse consciência de que elas estavam se afastando. Começava em um dia, depois uma semana sem ver, um mês, e quando me dava conta, não dava mais pra nos encontrarmos. Trocávamos mensagens frias pelo facebook e pelo MSN, na época que ainda havia o MSN.

Comecei a trabalhar e obtive meu próprio espaço. Minha mãe no começo não gostou; ligava várias vezes ao dia pra saber como eu estava. Acabou entrando num curso de dança pra terceira idade, depois num clube do livro e em outro, e outro; e agora só tem tempo pra mim no dia das mães e no meu aniversário. No aniversário dela sai com as amigas. Outro dia vi no facebook uma foto dela de maiô com as amigas na praia de Ipanema, ou Copacabana, não sei diferenciar as duas. É bom que ela esteja se divertindo.

Trabalho no meu cubículo. Computador ligado, tablet sobre a escrivaninha e dedos rápidos no teclado, ou sobre a tela. Meu trabalho tem que ser feito rápido, de forma constante; e acho que sou boa nele. Às vezes levanto fora do intervalo pra ir ao banheiro. Quanto à sede, aprendi um truque: garrafinha térmica de café e água sempre disponíveis. Pro almoço, sempre como naquele restaurante com placa "comida à kilo, bufê self-service" da outra rua. Os atendentes até já me conhecem, e tem sempre a minha mesa, no cantinho, com a televisão à vista. Não que eu assista, mas gosto de ouvir as notícias.

Nos finais de semana combino um barzinho com uma ou outra amiga; às vezes um amigo, mas quase nunca vou. Sempre acontece algo. Uma briga, um término, outro programa mais interessante, e eu recebo mensagens no whatsapp e por sms com pedidos de desculpas. Tenho ciúmes desses outros programas também, mas tem nada que eu possa fazer quanto a isso.

Fico então em casa, com filmes velhos no sofá. Perdi as contas de quantas vezes assisti Casablanca e Moulin Rouge. Gosto dessas coisas clichê, porque sei que nunca acontecem na vida. E se por ventura viessem a acontecer, não seria comigo.Já ouvi que sou uma pessoa desiludida, ou deprimida, mas todas as pessoas o são, em algum nível.

Às vezes bate a frustração. Tudo o que eu tive e considerei importante, perdi. Não quer dizer que deixei de gostar. Não quer dizer que deixei de querer e sentir falta. Lá no fundo, todas essas coisas sempre foram e sempre serão parte de mim. Todas essas pessoas seguiram comigo até o fim dos meus dias. Demorou muito pra perceber isso; que mesmo quando estamos sozinhos, temos montes de gente conosco.

Mas não muda o fato de ficar com raiva e apertar firme as mãos quando perco mais alguém. Não me impede de chorar enquanto abraço o travesseiro enquanto penso que seria melhor companhia, seria melhor amante, seria uma melhor pessoa do que quem está com você, sejá lá quem você for.

Tenho ciúmes de tudo aquilo que passou pela minha vida. Por mais breve que tenha sido. Tenho ciúmes do "viver" por si só, oposto ao existir que tenho levado, desde que cada pedaço importante que eu tinha foi tomado de mim.

Mas não o ciúme, ele sempre estará comigo me lembrando de cada coisa, cada lugar, cada pessoa.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Descoberta

Ando muito cansado de tudo; a maior parte das coisas me aborrece.
Não tenho muita vontade de trabalhar, ou de terminar as coisas da faculdade. O curso em si tem se mostrado um saco; e nada parecido com o que era no começo, quando depois de um vestibular sofrido eu consegui a vaga.

Minha vida anda meio parada. Tenho ido a algumas festas, conhecido algumas pessoas interessantes, mas nenhuma que realmente chame a minha atenção. Claro, servem pra uns beijos na boca, uns amassos aqui, outros ali, alguns encontros, quem sabe, mas nada duradouro, nada que ultrapasse algumas saídas.

Mesmo pra comer eu tenho estado bem ranzinza, procurando lugares novos e sabores exóticos, porque nada me satisfaz. Ou talvez, eu não esteja satisfeito comigo mesmo.

Mas é claro, os pensamentos continuam os mesmos, e as lembranças continuam rondando cada pedaço do meu cérebro. Cada vez que fecho os olhos é pra relembrar algo que vivemos, algo que passamos, e eu sei que não devia ser assim, só não consigo imaginar como pode ser diferente.

Quando eu fico assim, gosto de comprar. Roupas, acessórios, gosto de comprar, apenas comprar. Não me importo com o quê. Carrego as bolsas, parcelo em quantas vezes puder e acredito que sou feliz por alguns instantes, porque aparentemente, nada consegue preencher esse vazio que toma conta de mim quando a solidão se aproxima.

As coisas não têm sido fáceis, já que não consigo engrenar nenhum relacionamento; e sempre me acostumei a ter alguém do meu lado. Fico então pulando de relação em relação, sem me comprometer de verdade, porque sei que não vai fazer diferença pra mim.

E faço pior, acabo me anulando, deixando de ir a lugares que gosto, de falar com amigos que estimo; deixo a órbita do meu mundo se alterar por causa de quem está comigo, como se fosse um satélite, como se fosse barro sendo moldado. Provavelmente por isso perdem o interesse tão rápido por mim. Qual criança fica muito tempo com a massa de modelar?

Hoje estou eu, entregue à solidão, de frente a esse espelho no quarto, olhando meu reflexo e sendo olhado por ele, que parece me julgar, enquanto avalio as roupas que comprei.

De repente, não me reconheço mais ali. Não sou aquela pessoa. Aquele atrás do vidro é quem eu era, não quem eu me tornei. O "eu" confiante, que tinha orgulho do que fazia, que não se deixava anular, que brigava e xingava e esperneava. Era um "eu" desmedido, intenso e capaz de fazer o que quisesse. Um "eu" de quem o eu de agora tem medo.

Essa figura no espelho parece sorrir. Quero crer que houve alguma mudança, mas não consigo conter um grito de terror ao ver sua mão saindo pelo vidro e agarrando meu braço, me puxando pra dentro do espelho. Tento resistir, mas não sei de onde esse "eu" espectral tira forças. Tento me agarrar a tudo que tenho de sólido, e percebo que minhas certezas se tornaram inseguranças, desmoronando sobre mim.

Quando abro os olhos e dou por mim, estou ali, dentro do espelho, batendo contra o vidro, olhando praquele outro "eu" que ri. Ele é forte, ele é confiante, ele sabe do que é capaz, ele é tudo o que eu abri mão pra fingir que tinha uma relação com você, ele é tudo o que eu abdiquei pela fantasia, e tranquei querendo continuar fingindo.

Ele é meu amor próprio, que surgiu, que se redescobriu e se reinventou, mais forte, quebrando todos os grilhões com os quais eu o aprisionei; surgindo forte e tomando conta de mim, reescrevendo tudo o que sou, reconfigurando tudo o que eu acreditava querer.

Esse "eu" que me olha parece não me entender, mas sei que me entende. Sou eu quem falho em entender sua figura, sua importância. Fui eu quem decidi abrir mão de tudo pra viver o nada; e essa descoberta, essa revelação acaba por detsruir o pouco de forças que eu ainda tenho.

Não há como sair do espelho. Eu o criei pra esconder o que acreditava serem minhas fraquezas, quando na verdade eram meus alicerces; e eles esperaram por tanto tempo, cresceram por tanto tempo ali, sem intervenção, que tornaram-se fortes o bastante para tomarem conta de mim.

Resta a mim esperar em silêncio, fazendo o mesmo. Esperar que meu amor-próprio se descuide, esqueça de mim, a insegurança; deixe-me aqui, na escuridão, crescendo, me alimentando de mim mesmo enquanto junto forças na dúvida, esperando por um dia tomar conta de tudo novamente.

E eu percebo que ele fecha a porta do armário, mas deixa uma fresta. É quando admito minha derrota. Ele sabe que não é auto-suficiente. Sabe que apenas amor próprio não resolve todos os problemas do mundo; que é necessário um pouco de dúvida, um pouco de insegurança, um pouco de temor para que tudo siga em frente. E eu que pensava que dúvida e amor próprio não podiam caminhar juntos. Nunca.

Essa fresta que ele deixa, esse espaço pra me manifestar, é a garantia de que ficarei aqui por muito tempo. Que agora com a redescoberta do amor próprio, o "eu" que também é "ele" seja apenas "alguém", disposto a ser feliz.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Estrelas

Ontem à noite estava quente demais pra dormir; por mais que eu tentasse, fiquei rolando na cama; de um lado pro outro. Quando cansei, quando finalmente os lençóis se desprenderam e começaram a me incomodar, fui pro terraço.

Tá, não é um terraço. É a laje. E tudo bem, não é arrumada, nem nada, é apenas uma laje comum. Levei um colchonete velho, daqueles que a gente leva em viagem e fiquei sentado, olhando a rua. Cachorros passeavam, fugidos da casa de seus donos. Gatos desfilavam orgulhosos sobre os muros; rabos em pé, desdenhando dos cachorros; e então vi que tudo isto estava apenas na minha cabeça.

Uma infinidade de coisas passava pela minha cabeça, e eu sempre com esse hábito de inventar histórias pros animais, pros outros, porque assim, não pensava imediatamente nas coisas que tinham que ser resolvidas.

Amores perdidos, carreiras fracassadas, problemas familiares, discussões com amigos, lágrimas derramadas, corações despedaçados, entrecortados por manhãs preguiçosas e sorrisos sinceros com café quente e biscoitos amanteigados num prato de louça. Já não fazia mais sentido ouvir meus pensamentos.

E lá longe, as estrelas piscando - porque pra mim, elas piscam, não podem brilhar todo o tempo sem piscar- e uma lua cheia pálida, querendo desesperadamente ir à praia se estender na areia e ficar com marquinha de bikíni. Uma lua que não brilhava, mas refletia a luz que recebia, como algumas pessoas.

Como eu.

Às vezes não basta ser um corpo celeste; não basta ser lua e refletir a luz dos outros quando queremos ser estrelas e brilhar por nós mesmos; e na maior parte do tempo, ficamos por lá, jogados, piscando pras coisas que acontecem na nossa vida, nos movendo devagar demais pra fazer alguma diferença.

O colchonete já não me dá conforto; levanto e ergo os braços na tentativa fútil de alcançar as estrelas brilhando. Os pés já não tocam mais o chão; e de repente, não é mais sonho, não é mais devaneio. Eu me sinto queimar por dentro, eu me sinto brilhar e me erguer, e decido ir o mais alto e o mais longe. Não quero ser comum, não quero refletir. Quero ser. Quero brilhar.

Mais que qualquer coisa, quero ter meu espaço.

E me lembrei de que um dia me disseram que muitas das estrelas que vemos já estão mortas. O que vemos é apenas sua luz que continuou viajando até chegar aqui.

Não faz mais diferença. As estrelas que queimam mais rápido também são aquelas que brilham mais forte. Vou subir, vou ascender e acender, viro supernova dentro de mim mesmo, cortando a atmosfera verticalmente até o céu, e além dele.

E a Terra é azul.

Mas isso não vai me impedir de continuar. Cometas, meteoros, planetas ao longe, outras estrelas, todas as coisas vão passando diante de mim, e eu num esforço para não piscar, para não perder nada.

Não me basta, nada me basta, quero ir além dos meus próprios limites, quero saber até onde posso chegar.

Sou supernova, incandescende, flamejante. Sou mais, vou além. Melhor que tudo isso: sou.


Acordo no terraço com os amanhecer. Os problemas eu sei que não desapareceram, mas pelo menos eu sei que atitude posso tomar na vida daqui por diante.

sábado, 2 de março de 2013

Lágrimas

-Não gosto quanto você chora assim, sem motivo.
-Eu tenho motivos pra chorar. Ele terminou comigo. Assim, do dia pra noite, sem mais nem menos.
-Então, você deveria estar feliz, tem sua liberdade de volta.
-Eu não quero liberdade, quero companhia.

Alguns segundos de silêncio seguiram-se naquela mesa de lanchonete. Já estava quase na hora de fechar, e os dois sabiam que teriam que ir embora. A questão é: para onde? Nenhum dos dois tinha pra onde ir naquela noite estrelada.

-Você tem companhia. Tem sua família, seus amigos, seus colegas de trabalho.
-Você me entendeu. Eu estou cansado de relacionamentos frustrados, de depositar minhas esperanças em alguém que só vai me sacanear.
-E ainda assim, você continua tentando.
-Todos continuamos tentando, não é assim que é pra ser?
-Eu não acredito nisso. Eu acredito que nascemos pra ficar bem, seja com os outros, ou conosco. Nascemos pra conquistas, pra realizações, não nascemos pra sonhos que se tornam pesadelos.

Um atendente veio perguntar se eles iam querer mais alguma coisa da cozinha. Ambos disseram que não, deram boa noite e encaminharam-se à porta.

-E agora, você tem que ir?
-Não vou deixar você chorando pela rua numa noite de sábado, sozinho. Eu seria uma merda de amigo se fizesse isso.
-Nah, pode ir, já passou o pior, vou ter que lidar com isso. Ainda tenho muito o que chorar.
-Então, não tem que chorar sozinho.

Eles se abraçaram e continuaram em silêncio. Um morador de rua os chamou de viados, e foi ignorado. Caminharam em direção à praia, com a areia já suja, e o vento gelado. Sentaram-se num banco no calçadão e ficaram olhando as pequenas ondas da maré baixa trazendo sujeira pra areia branca.

-Às vezes eu acho que o problema é comigo, sabe? Nunca dá certo, com ninguém. Já tentei diversas pessoas diferentes, já me adaptei a muita coisa, e sempre é assim, tomo um pé na bunda por motivos escrotos, com razões absurdas.
-Às vezes o problema é você mesmo. Fica tentando se adaptar enquanto os outros permanecem os mesmos. Uma relação nunca vai ser levada a frente se é unilateral. Não adianta você investir 200% de si mesmo quando a pessoa é incapaz de corresponder. E não, não pense que estou dizendo que vai ser igual. Sempre tem alguém que se entrega mais, que ama mais, que se preocupa mais, que se machuca mais, mas tem que pelo menos ser proporcional. Pra levar uma relação sozinho, relacione-se com sua mão, que ela só vai te desapontar se você tiver cãimbra.
-Huahuahauhu, só você pra me fazer rir dessas putarias. Obrigado
-Você não precisa me agradecer. Não estou fazendo nada demais.
-Mas obrigado assim mesmo.

Eles se levantaram novamente e começaram a andar em direção ao Arpoador. Alguns grupos sentados na areia da praia, bebendo, conversando, rindo. Algumas pessoas namorando. Coisas bem comuns de ver na Cidade Maravilhosa, ainda mais num final de semana. O cheiro ocre de maconha ficava mais forte em alguns pontos, mas nada que fosse tão incômodo.

No Arpoador, brinquedos de criança, que os dois amigos prontamente tomaram pra si. Balanços e gangorras, e uma estrutura de ferro já desbotada, que usaram pra escalar. Eram crianças de novo, eram jovens e sem preocupações.

-Escuta...
-O quê?
-Você sempre diz pra gente não te agradecer...
-Não gosto de agradecimentos. Não faço nada pelos outros que eles não mereçam
-Mas eu não lembro de ter feito nada pra merecer.
-Também não fez nada para que não merecesse.
-Vontade de mijar...
-Isso sim é quebra clima. Vai ali no cantinho, nas pedras.
-Assim, na rua?
-Tá vendo algum banheiro público?
-Ahn, e se passar um PM, ou algum tarado?
-Se for bonito, mostra o pinto, vai que eles curtem?
-Porra, só você mesmo. Espera aí, não me larga aqui não heim?

-Pronto
-Sacudiu?
-LÓGICO né?
-Mas não chega perto de mim com essa mão de pinto.

Riram o riso inocente daqueles que não esperavam por nada. Saíram dos balanços em definitivo e subiram o Arpoador. Muitos esperavam o sol se esconder atrás das águas no horizonte, eles preferiam ver o sol se levantar. Quantas vezes não saíram das festas antes do término só pra ver o horizonte púrpura ganhar ares avermelhados, laranja e finalmente dourados?

-Escuta
-O que é? Mais alguma lição de sabedoria pra mim hoje?
-Pode não ser hoje, ou amanhã que seremos felizes, mas podemos nos alegrar por termos a possibilidade.
-Porra cara, não faz isso.
-Isso o quê?
-Você tem essas frases, essas coisas que me desmontam, que desmontam qualquer um.
-Você pode não ter dado certo com ele, mas enquanto estavam juntos, foi bom, e isso é o que importa. As lembranças; as memórias. E logo vc encontrará alguém pra fazer novas memórias.
-Deixa eu perguntar... você não está tentando, não é?
-Ao contrário; eu estou conseguindo me livrar das memórias; pra fazer memórias melhores, com novas pessoas.

E deram as costas ao nascer do sol pra esperar o metrô abrir. Não se abraçaram, nem deram as mãos. Não precisavam. As lágrimas que haviam caído no início da noite já eram passado. E ainda que outras viessem, estariam ali, um pelo outro.