quinta-feira, 28 de junho de 2012

Maldição

Depois de pensar, repensar, escrever e reescrever, decidi postar esse conto. Como muitos outros, estava perdido na minha pasta de idéias...



   O bater da porta me traz de volta à realidade apenas para que eu perceba a bagunça do apartamento. A louça amontoada sobre a pia, e uma camada perceptível de pó sobre os móveis.
   A televisão da sala transmitindo apenas estática, e eu lembro que há muito deixei de pagar a assinatura da tv a cabo; preocupo-me apenas com a internet; tem de tudo no youtube, sem que eu precise me preocupar com os horários.
   Acendo um cigarro, mas não sem antes apertar a bolinha. Não que eu goste do sabor diferente, tem o mesmo sabor de sempre, mas acho que me viciei no barulhinho, naquele pequeno estalo insignificante. Sempre fui bom pra gostar de coisas insignificantes; acho que por isso acabei gostando dele.
   A primeira vez em que nos vimos deu tudo errado; cheguei atrasado, cansado, ele tinha saído do trabalho também, não tava com muito saco. Pensei em ligar pra desmarcar, mas já tava lá mesmo; e conversamos por horas e quando vimos, já estava na hora de irmos embora. Quis tomá-lo pra mim naquele instante, quis que ele fosse meu, mesmo sabendo que jamais teria sua posse.
    Saímos outras vezes até que finalmente fomos pra cama. Foi melhor do que eu imaginava, tenho que confessar. Todas as três vezes daquela noite. Acho que estávamos com muita vontade.

   Levanto da cadeira e decido que tenho que parar de pensar nessas coisas e lavar essa louça. Não sei onde eu estava com a cabeça pra jogar os restos de comida na pia; podia ter entupido essa porra toda e quem ia dar um jeito nisso? Nunca fui bom com essas coisas de consertos. Quando meu chuveiro elétrico queimava, eu não trocava a resistência; comprava outro. Agradeço a Deus pelo aquecimento a gás.
   O contato com a água fria me lembra da primeira vez que tomamos banho juntos, em que eu o abracei por trás e passei a mão em seus cabelos, e ele arqueou as costas. Queríamos banho quente, mas aquele chuveiro não estava ajudando.
   Engraçado, nada na nossa relação ajudava: Nossos horários conflitantes, nossos pais, nossos gostos musicais, nossas preferências no sexo... eu sempre fui mais careta, o mais baunilha da relação, você queria sempre inovar, sempre uma posição nova... mas até que isso não era um problema, porque deitados (ou de pé, ou ajoelhados, ou sentados) a gente sempre se entendia.
   E ainda tinha a questão das palavras... e elas nunca me faltaram pra descrever você, pra me relacionar melhor com você; e você era todo na sua, tinha medo de que as palavras pudessem te ferir de forma irreparável. Sei lá, às vezes acho que não era pra ser.

   Louça lavada, hora de passar um pano nos móveis, mesmo que ninguém vá aparecer. "Todo término também é um recomeço". Lembro de ter lido em algum lugar; parece frase de caminhão, mas o importante é que serve neste momento.
   Não lembro de nenhuma briga nossa, em todo esse tempo de convivência; e acho que pode ser nisso que erramos. Brigas dão margem a separações e a uma melhor compreensão das coisas. Se nunca brigamos, pode ser que nunca tenhamos realmente compreendido um o lado do outro.
   O cigarro finalmente se apagou, e eu nem lembrei de tragar, Acho que acendi mesmo apenas pelo barulhinho. Um rastro de cinzas e uma guimba solitária no cinzeiro me fazem procurar os restos dos seus cigarros. Percebo que nisso eu fiquei mais parecido com você; mesmo que não seja uma coisa muito saudável, sempre que eu fumava me sentia mais perto de você, assim como nas poucas vezes que você vinha dormir aqui e queria dormir com aquela minha camisa azul.
   Os lençóis ainda estão em desalinho; um dos pés do seu chinelo favorito embaixo do criado mudo; é o tipo de coisa que dói ver, dói lembrar, mas ao mesmo tempo é uma dor necessária; é o que vai fazer eu tirar você daqui de dentro do meu peito.
   Talvez mais tarde eu consiga arrumar a cama, mas por agora, eu volto pra cozinha, sento na mesa e pego o cigarro novamente. O estalo me faz pensar na primeira vez que fumamos juntos, naquele motel barato que decidimos passar a noite. Acho que estou pensando demais em você, agora que você me deixou, mas não posso evitar, minha maldição é pensar demais, é sempre ficar pra trás enquanto os outros decidem novos rumos pras suas vidas. Eu permaneço aqui, sentado e pensando.
   Mas não tem problema; já me acostumei; e eu tenho todo o tempo do mundo pra pensar em você, em mim, em nós, e o que será do "eu", agora que você não está mais aqui.

   E quando me dou conta novamente, não tenho mais que pensar no "nós" que existiu, porque existiu apenas pra mim.

domingo, 24 de junho de 2012

Travesseiro

Gosto de dormir com o celular debaixo do travesseiro; minha mão segurando firme no aparelho, apesar de eu saber que ele não vai tocar.
Minha cama é de solteiro, mas é bem espaçosa. Por algum motivo que foge à minha compreensão, eu só durmo encolhidinho no canto da parede, com os olhos fixos na porta, por mais que eu saiba que ela não vai abrir.

Eu consigo ver o mostrador do relógio sobre o móvel, com ponteiros se movendo devagar sobre o fundo colorido, mexo os pés pra encontrar uma posição mais confortável, que eu sei que não virá. Giro pro outro lado e encaro a parede azul do quarto, como um murro direto no meu estômago, a me encher de lembranças.

E então eu percebo que às vezes, rir é a melhor coisa a fazer quando a outra opção é ficar triste.

Infelizmente, acho que eu perdi essa habilidade. Ficar sério parece minha escolha mais segura.


E de vez em quando eu me lembro de vezes como a noite passada, em que chorei até dormir, porque a opção era fugir, ir embora.

Nem sempre o desenrolar dos nossos planos depende exclusivamente de nós, mas quase sempre é nosso o poder de fazer o outro se sentir importante.

Eu viro a cabeça de novo. O ponteiro grande acaba de se mexer.

O travesseiro está molhado, e eu percebo que não foi a noite passada, foi há poucos minutos.

E eu não tentei ser corajoso; a minha vinda pra cá foi a minha escolha mais segura, o conforto desse travesseiro, ao invés do conforto que nunca virá, já que certas palavras nunca serão ditas.

Quando eu sinto que perco todas as esperanças, sinto o telefone vibrando na minha mão. Sem que eu tivesse percebido, já amanheceu, e é hora de a vida continuar.