quinta-feira, 28 de março de 2013

Estrelas

Ontem à noite estava quente demais pra dormir; por mais que eu tentasse, fiquei rolando na cama; de um lado pro outro. Quando cansei, quando finalmente os lençóis se desprenderam e começaram a me incomodar, fui pro terraço.

Tá, não é um terraço. É a laje. E tudo bem, não é arrumada, nem nada, é apenas uma laje comum. Levei um colchonete velho, daqueles que a gente leva em viagem e fiquei sentado, olhando a rua. Cachorros passeavam, fugidos da casa de seus donos. Gatos desfilavam orgulhosos sobre os muros; rabos em pé, desdenhando dos cachorros; e então vi que tudo isto estava apenas na minha cabeça.

Uma infinidade de coisas passava pela minha cabeça, e eu sempre com esse hábito de inventar histórias pros animais, pros outros, porque assim, não pensava imediatamente nas coisas que tinham que ser resolvidas.

Amores perdidos, carreiras fracassadas, problemas familiares, discussões com amigos, lágrimas derramadas, corações despedaçados, entrecortados por manhãs preguiçosas e sorrisos sinceros com café quente e biscoitos amanteigados num prato de louça. Já não fazia mais sentido ouvir meus pensamentos.

E lá longe, as estrelas piscando - porque pra mim, elas piscam, não podem brilhar todo o tempo sem piscar- e uma lua cheia pálida, querendo desesperadamente ir à praia se estender na areia e ficar com marquinha de bikíni. Uma lua que não brilhava, mas refletia a luz que recebia, como algumas pessoas.

Como eu.

Às vezes não basta ser um corpo celeste; não basta ser lua e refletir a luz dos outros quando queremos ser estrelas e brilhar por nós mesmos; e na maior parte do tempo, ficamos por lá, jogados, piscando pras coisas que acontecem na nossa vida, nos movendo devagar demais pra fazer alguma diferença.

O colchonete já não me dá conforto; levanto e ergo os braços na tentativa fútil de alcançar as estrelas brilhando. Os pés já não tocam mais o chão; e de repente, não é mais sonho, não é mais devaneio. Eu me sinto queimar por dentro, eu me sinto brilhar e me erguer, e decido ir o mais alto e o mais longe. Não quero ser comum, não quero refletir. Quero ser. Quero brilhar.

Mais que qualquer coisa, quero ter meu espaço.

E me lembrei de que um dia me disseram que muitas das estrelas que vemos já estão mortas. O que vemos é apenas sua luz que continuou viajando até chegar aqui.

Não faz mais diferença. As estrelas que queimam mais rápido também são aquelas que brilham mais forte. Vou subir, vou ascender e acender, viro supernova dentro de mim mesmo, cortando a atmosfera verticalmente até o céu, e além dele.

E a Terra é azul.

Mas isso não vai me impedir de continuar. Cometas, meteoros, planetas ao longe, outras estrelas, todas as coisas vão passando diante de mim, e eu num esforço para não piscar, para não perder nada.

Não me basta, nada me basta, quero ir além dos meus próprios limites, quero saber até onde posso chegar.

Sou supernova, incandescende, flamejante. Sou mais, vou além. Melhor que tudo isso: sou.


Acordo no terraço com os amanhecer. Os problemas eu sei que não desapareceram, mas pelo menos eu sei que atitude posso tomar na vida daqui por diante.

sábado, 2 de março de 2013

Lágrimas

-Não gosto quanto você chora assim, sem motivo.
-Eu tenho motivos pra chorar. Ele terminou comigo. Assim, do dia pra noite, sem mais nem menos.
-Então, você deveria estar feliz, tem sua liberdade de volta.
-Eu não quero liberdade, quero companhia.

Alguns segundos de silêncio seguiram-se naquela mesa de lanchonete. Já estava quase na hora de fechar, e os dois sabiam que teriam que ir embora. A questão é: para onde? Nenhum dos dois tinha pra onde ir naquela noite estrelada.

-Você tem companhia. Tem sua família, seus amigos, seus colegas de trabalho.
-Você me entendeu. Eu estou cansado de relacionamentos frustrados, de depositar minhas esperanças em alguém que só vai me sacanear.
-E ainda assim, você continua tentando.
-Todos continuamos tentando, não é assim que é pra ser?
-Eu não acredito nisso. Eu acredito que nascemos pra ficar bem, seja com os outros, ou conosco. Nascemos pra conquistas, pra realizações, não nascemos pra sonhos que se tornam pesadelos.

Um atendente veio perguntar se eles iam querer mais alguma coisa da cozinha. Ambos disseram que não, deram boa noite e encaminharam-se à porta.

-E agora, você tem que ir?
-Não vou deixar você chorando pela rua numa noite de sábado, sozinho. Eu seria uma merda de amigo se fizesse isso.
-Nah, pode ir, já passou o pior, vou ter que lidar com isso. Ainda tenho muito o que chorar.
-Então, não tem que chorar sozinho.

Eles se abraçaram e continuaram em silêncio. Um morador de rua os chamou de viados, e foi ignorado. Caminharam em direção à praia, com a areia já suja, e o vento gelado. Sentaram-se num banco no calçadão e ficaram olhando as pequenas ondas da maré baixa trazendo sujeira pra areia branca.

-Às vezes eu acho que o problema é comigo, sabe? Nunca dá certo, com ninguém. Já tentei diversas pessoas diferentes, já me adaptei a muita coisa, e sempre é assim, tomo um pé na bunda por motivos escrotos, com razões absurdas.
-Às vezes o problema é você mesmo. Fica tentando se adaptar enquanto os outros permanecem os mesmos. Uma relação nunca vai ser levada a frente se é unilateral. Não adianta você investir 200% de si mesmo quando a pessoa é incapaz de corresponder. E não, não pense que estou dizendo que vai ser igual. Sempre tem alguém que se entrega mais, que ama mais, que se preocupa mais, que se machuca mais, mas tem que pelo menos ser proporcional. Pra levar uma relação sozinho, relacione-se com sua mão, que ela só vai te desapontar se você tiver cãimbra.
-Huahuahauhu, só você pra me fazer rir dessas putarias. Obrigado
-Você não precisa me agradecer. Não estou fazendo nada demais.
-Mas obrigado assim mesmo.

Eles se levantaram novamente e começaram a andar em direção ao Arpoador. Alguns grupos sentados na areia da praia, bebendo, conversando, rindo. Algumas pessoas namorando. Coisas bem comuns de ver na Cidade Maravilhosa, ainda mais num final de semana. O cheiro ocre de maconha ficava mais forte em alguns pontos, mas nada que fosse tão incômodo.

No Arpoador, brinquedos de criança, que os dois amigos prontamente tomaram pra si. Balanços e gangorras, e uma estrutura de ferro já desbotada, que usaram pra escalar. Eram crianças de novo, eram jovens e sem preocupações.

-Escuta...
-O quê?
-Você sempre diz pra gente não te agradecer...
-Não gosto de agradecimentos. Não faço nada pelos outros que eles não mereçam
-Mas eu não lembro de ter feito nada pra merecer.
-Também não fez nada para que não merecesse.
-Vontade de mijar...
-Isso sim é quebra clima. Vai ali no cantinho, nas pedras.
-Assim, na rua?
-Tá vendo algum banheiro público?
-Ahn, e se passar um PM, ou algum tarado?
-Se for bonito, mostra o pinto, vai que eles curtem?
-Porra, só você mesmo. Espera aí, não me larga aqui não heim?

-Pronto
-Sacudiu?
-LÓGICO né?
-Mas não chega perto de mim com essa mão de pinto.

Riram o riso inocente daqueles que não esperavam por nada. Saíram dos balanços em definitivo e subiram o Arpoador. Muitos esperavam o sol se esconder atrás das águas no horizonte, eles preferiam ver o sol se levantar. Quantas vezes não saíram das festas antes do término só pra ver o horizonte púrpura ganhar ares avermelhados, laranja e finalmente dourados?

-Escuta
-O que é? Mais alguma lição de sabedoria pra mim hoje?
-Pode não ser hoje, ou amanhã que seremos felizes, mas podemos nos alegrar por termos a possibilidade.
-Porra cara, não faz isso.
-Isso o quê?
-Você tem essas frases, essas coisas que me desmontam, que desmontam qualquer um.
-Você pode não ter dado certo com ele, mas enquanto estavam juntos, foi bom, e isso é o que importa. As lembranças; as memórias. E logo vc encontrará alguém pra fazer novas memórias.
-Deixa eu perguntar... você não está tentando, não é?
-Ao contrário; eu estou conseguindo me livrar das memórias; pra fazer memórias melhores, com novas pessoas.

E deram as costas ao nascer do sol pra esperar o metrô abrir. Não se abraçaram, nem deram as mãos. Não precisavam. As lágrimas que haviam caído no início da noite já eram passado. E ainda que outras viessem, estariam ali, um pelo outro.