quinta-feira, 4 de abril de 2013

Descoberta

Ando muito cansado de tudo; a maior parte das coisas me aborrece.
Não tenho muita vontade de trabalhar, ou de terminar as coisas da faculdade. O curso em si tem se mostrado um saco; e nada parecido com o que era no começo, quando depois de um vestibular sofrido eu consegui a vaga.

Minha vida anda meio parada. Tenho ido a algumas festas, conhecido algumas pessoas interessantes, mas nenhuma que realmente chame a minha atenção. Claro, servem pra uns beijos na boca, uns amassos aqui, outros ali, alguns encontros, quem sabe, mas nada duradouro, nada que ultrapasse algumas saídas.

Mesmo pra comer eu tenho estado bem ranzinza, procurando lugares novos e sabores exóticos, porque nada me satisfaz. Ou talvez, eu não esteja satisfeito comigo mesmo.

Mas é claro, os pensamentos continuam os mesmos, e as lembranças continuam rondando cada pedaço do meu cérebro. Cada vez que fecho os olhos é pra relembrar algo que vivemos, algo que passamos, e eu sei que não devia ser assim, só não consigo imaginar como pode ser diferente.

Quando eu fico assim, gosto de comprar. Roupas, acessórios, gosto de comprar, apenas comprar. Não me importo com o quê. Carrego as bolsas, parcelo em quantas vezes puder e acredito que sou feliz por alguns instantes, porque aparentemente, nada consegue preencher esse vazio que toma conta de mim quando a solidão se aproxima.

As coisas não têm sido fáceis, já que não consigo engrenar nenhum relacionamento; e sempre me acostumei a ter alguém do meu lado. Fico então pulando de relação em relação, sem me comprometer de verdade, porque sei que não vai fazer diferença pra mim.

E faço pior, acabo me anulando, deixando de ir a lugares que gosto, de falar com amigos que estimo; deixo a órbita do meu mundo se alterar por causa de quem está comigo, como se fosse um satélite, como se fosse barro sendo moldado. Provavelmente por isso perdem o interesse tão rápido por mim. Qual criança fica muito tempo com a massa de modelar?

Hoje estou eu, entregue à solidão, de frente a esse espelho no quarto, olhando meu reflexo e sendo olhado por ele, que parece me julgar, enquanto avalio as roupas que comprei.

De repente, não me reconheço mais ali. Não sou aquela pessoa. Aquele atrás do vidro é quem eu era, não quem eu me tornei. O "eu" confiante, que tinha orgulho do que fazia, que não se deixava anular, que brigava e xingava e esperneava. Era um "eu" desmedido, intenso e capaz de fazer o que quisesse. Um "eu" de quem o eu de agora tem medo.

Essa figura no espelho parece sorrir. Quero crer que houve alguma mudança, mas não consigo conter um grito de terror ao ver sua mão saindo pelo vidro e agarrando meu braço, me puxando pra dentro do espelho. Tento resistir, mas não sei de onde esse "eu" espectral tira forças. Tento me agarrar a tudo que tenho de sólido, e percebo que minhas certezas se tornaram inseguranças, desmoronando sobre mim.

Quando abro os olhos e dou por mim, estou ali, dentro do espelho, batendo contra o vidro, olhando praquele outro "eu" que ri. Ele é forte, ele é confiante, ele sabe do que é capaz, ele é tudo o que eu abri mão pra fingir que tinha uma relação com você, ele é tudo o que eu abdiquei pela fantasia, e tranquei querendo continuar fingindo.

Ele é meu amor próprio, que surgiu, que se redescobriu e se reinventou, mais forte, quebrando todos os grilhões com os quais eu o aprisionei; surgindo forte e tomando conta de mim, reescrevendo tudo o que sou, reconfigurando tudo o que eu acreditava querer.

Esse "eu" que me olha parece não me entender, mas sei que me entende. Sou eu quem falho em entender sua figura, sua importância. Fui eu quem decidi abrir mão de tudo pra viver o nada; e essa descoberta, essa revelação acaba por detsruir o pouco de forças que eu ainda tenho.

Não há como sair do espelho. Eu o criei pra esconder o que acreditava serem minhas fraquezas, quando na verdade eram meus alicerces; e eles esperaram por tanto tempo, cresceram por tanto tempo ali, sem intervenção, que tornaram-se fortes o bastante para tomarem conta de mim.

Resta a mim esperar em silêncio, fazendo o mesmo. Esperar que meu amor-próprio se descuide, esqueça de mim, a insegurança; deixe-me aqui, na escuridão, crescendo, me alimentando de mim mesmo enquanto junto forças na dúvida, esperando por um dia tomar conta de tudo novamente.

E eu percebo que ele fecha a porta do armário, mas deixa uma fresta. É quando admito minha derrota. Ele sabe que não é auto-suficiente. Sabe que apenas amor próprio não resolve todos os problemas do mundo; que é necessário um pouco de dúvida, um pouco de insegurança, um pouco de temor para que tudo siga em frente. E eu que pensava que dúvida e amor próprio não podiam caminhar juntos. Nunca.

Essa fresta que ele deixa, esse espaço pra me manifestar, é a garantia de que ficarei aqui por muito tempo. Que agora com a redescoberta do amor próprio, o "eu" que também é "ele" seja apenas "alguém", disposto a ser feliz.

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