segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Transitório

Ela batia ansiosa com os dedos das mãos na madeira do banco. Ele estava atrasado, de novo; e desta vez mais de quinze minutos. Pegou o celular pra olhar casualmente as redes sociais, uma mensagem dele pedindo desculpas porque o trânsito estava um inferno. Ela riu.

Provavelmente ele nem tinha saído do escritório ainda. Vida de office-boy era dura, ela sabia; mas tinham decidido pelo namoro, não? Ele tinha que se esforçar também; o tempo em que ela estava ali, plantada, esperando por ele, podia estar fazendo a resenha de um dos livros que o chefe tinha mandado. Trabalhar na editora não estava sendo fácil, mas pagava as contas e ainda garantia um dinheiro miúdo pra épocas mais difíceis.


Mais dez minutos de espera e finalmente ele estava lá, despenteado, sem fôlego. Era engraçado de ver, e ela não conseguia evitar um sorriso infantil de reprovação. Ele trouxe flores um tanto quanto amassadas; já meio murchas, mas o importante foi a intenção, e ela o abraçou com força, deixando-o sem-graça. Ele não estava muito acostumado com demonstrações públicas de afeto.


Pegaram um na mão do outro e continuaram conversando sobre seus dias, sobre seus empregos, sobre suas famílias irritantes. Toda sexta, no final do expediente, alguns saíam pra beber; eles saiam pra conversar. Eram amigos desde quando? Desde os tempos da escola, sexto ou sétimo ano; separaram-se no ensino médio; reencontraram-se por acaso já no finalzinho da faculdade: uma amiga dela estava saindo com uma amiga dele; não durou muito, infelizmente, mas os reaproximou.


Foram semanas de conversa online, alguns tweets trocados, algumas curtidas no facebook, poucos convites pra sair até que finalmente uma brecha no horário permitiu que se encontrassem; foram ver um filme qualquer, uma daquelas comédias românticas que servem pra que os casais tenham privacidade pra trocar alguns beijos no escuro do cinema.


Ele passou a mão por trás dos ombros dela, ela inclinou o pescoço, eram apenas mais um clichê de casal entre tantos outros, o arrepio na coluna, a língua passada discretamente nos lábios pra umedecê-los, a dormência no braço depois dos minutos iniciais, a mão dela dedilhando os botões da camisa dele. Tudo parecia bom, e foi se repetindo, e repetindo, e repetindo mais e mais.


Mas nem tudo na vida deles podia ser resumido em felicidade: Ela era bastante regrada, e ele tímido até demais. Ela achava que ele era virgem, e ele realmente era. Não ficou por muito tempo. Ele achava que ela era mente aberta demais, e ela realmente era. Não demorou muito pra que ele começasse a ver o mundo com outros olhos.


O maior problema nele era a impontualidade. O maior problema dela era a inflexibilidade; e eles às vezes faziam piadas um do outro enquanto tomavam sorvete nas sextas-feiras. Nem sempre transavam, só quando ele recebia um extra no serviço. Ele fazia questão de pagar o motel, porque se sentia desconfortável em fazer no apartamento dela.


Os dias foram passando, as semanas correram, os meses praticamente se desfizeram enquanto as páginas do calendário eram jogadas fora. Ele conseguiu uma promoção, e um salário mais gordinho; ela foi chamada pra ministrar um curso sobre Literatura fantástica. Ainda não sabia se ia aceitar, ainda não tinha pensado em como contar a ele.


Pra que as coisas ficassem mais difíceis, desta vez ele chegou antes, estava esperando por ela, com um sorriso, e uma declaração.

"Eu te amo"


Ela engoliu em seco. Claro que eles já haviam trocado juras de amor, mas desta vez era diferente; ele realmente falava sério. Ela controlou o pânico dentro de si e domou a respiração


"Precisamos conversar"


Ele empalideceu, mas consentiu.


"O quê é o amor? Sejamos objetivos: temos o aumento da temperatura corporal, assim como o aumento do fluxo sanguíneo em nossas veias, o que faz com que o coração bata forte. Temos a boca seca o cérebro que se perde em fantasias possíveis e impossíveis ao lado de alguém que nos faz feliz."

"Eu te faço feliz?"
"Por conta disso sempre estivemos juntos; mesmo separados. Mas eu tenho que dizer que a gente tem que se afastar por um tempo."

E ela contou do convite; mesmo triste, ele aceitou, resignado. Ela não pertencia a ele, nunca pertenceu; por um acaso do destino eles trilharam o mesmo caminho juntos.


As sextas-feiras estavam um pouco mais vazias agora. Ela estava em outra cidade, trabalhando; ele decidiu fazer uma outra faculdade à noite. Os meses trouxeram os primeiros fios brancos dela; que ela rapidamente escondeu. Aproveitou pra mudar o castanho do cabelo pra um tom de cobre. Ela sempre quis cabelos acobreados. Pra ele o tempo trouxe um cavanhaque, e logo em seguida uma barba. Alguns quilos a mais também, e graças aos deuses a calvície não deu sinal.


Ela finalmente lançou o livro que ela tanto queria, mandou convites a todos os amigos e conhecidos. Ele não poderia ficar de fora, mas estava ocupado cuidando dos gêmeos. Pois é, ele tinha casado com uma mulher até parecida com ela, e teve a sorte de ter gêmeos.


Talvez sejamos apenas pó de estrela; esperando, procurando pelo universo alguém disposto a queimar na atmosfera conosco, na mesma sintonia...


São momentos transitórios de felicidade incandescente, sufocante, arrebatadora; do tipo que nos faz lembrar sempre e sempre e sempre, e reviver esses momentos na memória quando as coisas não vão tão bem.

E ela pensa que deveria ter dito "eu também te amo", mas é tarde demais pra isso.

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