sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Banco

Sentada, ela estava a esperar.

Os olhos fixos no horizonte, naquela tarde de sol escaldante. Pequenos insetos faziam uma festa pelo ar, mosquitos oportunistas banqueteavam-se nas pernas daqueles que esperavam o ônibus.

Ela ouvia com atenção as conversas dos outros, piscando apenas pra lubrificar os olhos. Ouvia histórias felizes e tristes; de reunião e de separação. Via pessoas subindo no ônibus com destino certo, via pessoas indecisas quanto ao próprio caminho. Via pessoas perguntando sobre o itinerário para o motorista.

Quando ela ficava cansada por estar no mesmo lugar, levantava e esticava as pernas, com delicadeza. O vestido florido que ela usava balançava de leve ao vento morno. O cabelo castanho claro, preso num coque; os lábios com um batom simples, sem cor.

Não podiam dizer que era bonita, mas também não era feia. Quantos anos devia ter? Trinta? Quarenta? Não dava pra saber ao certo; mas também, não tinha ninguém pra perguntar a ela. As pessoas apenas chegavam ao ponto, esperavam um pouco e seguiam seu caminho. Alguns nos ônibus grandes; outros nuns ônibus pequeninos e barulhentos. Alguns outros ficavam por muitos minutos, impacientes, batendo os pés no chão, proferindo insultos quando o ônibus finalmente apontava no horizonte.

Os ponteiros do relógio se moviam devagar e pequenas ondas de calor desprendiam-se do asfalto. Algumas senhoras recém-chegadas secavam o suor com lenços brancos, com monogramas. Coisas que não se via há muito tempo. Trajadas de preto; certamente iam a algum enterro; não que fosse importante.

Crianças andando de bicicleta, sem respeitar a distância entre os carros. Alguns adolescentes de skate. A mulher no vestido florido voltou a se sentar no mesmo lugar. Uma linha de formigas passava por debaixo do banco, cada qual com seu pedacinho de folha nas costas.

Um homem de terno sentou-se do lado dela; ofereceu um folheto, que ela educadamente aceitou e colocou na bolsa. Havia uma bolsa; pequena, ao lado dela. O homem se levantou, começou a falar e falar e falar, cada vez mais vermelho e suado. Fala com ênfase, com autoridade, por vezes cuspia pequenas gotículas de saliva. Ela parecia constrangida diante dele, que falava sem parar; tentou colocar a mão sobre a cabeça dela, ela se desvencilhou. Outras pessoas se aproximaram dele. Era óbvio que ela estava sendo perturbada. Colocaram o homem num ônibus e ele foi embora, enquanto duas mulheres falavam com a do vestido florido.

Ela parecia bem. Voltou à sua atividade habitual de olhar no horizonte, em direção ao final da rua, de onde vêm os ônibus. As pessoas tomaram seus rumos. Umas foram pra casa, outras pro trabalho. Logo ela estava sozinha novamente..

E quando o sol começa a descer por entre os prédios atrás da minha casa, eu vejo ela se levantar e andar de forma tímida, sempre no sentido da rua.

Ela anda devagar, mas num ritmo constante. Lá no final da rua, antes da curva, tem uma casa com um jardim tomado pelo mato. Ela abre o portão, que não tem chave e segue um caminho de pedras pequenas, no meio do matagal. Lá dentro tem uma casa antiga, com uma varanda clássica, e um banco de madeira, que já passou por dias melhores. Ela se senta e continua olhando.

É então que daqueles olhos inexpressivos parece cair uma lágrima, mas percebo que não são lágrimas dela. São minhas. Ela continua sentada, inexpressiva, olhando pra algo que eu não consigo determinar o que é.

Assim ela faz todos os dias. Ou pelo menos, tem feito isso todos os dias, inclusive finais de semana, já tem uns cinco anos que percebi. Sempre achei estranho aquela moça no ponto de ônibus em frente  à minha casa, ficar a tarde inteira sem pegar ônibus nenhum, nunca.

Acho que essa moça é triste. Acho não; tenho certeza. Ela parece estar esperando sempre por algo, algo que talvez nunca vá chegar. Talvez ela tenha perdido alguém, e esteja desiludida por isso.

Ou será que está deprimida? Vi na televisão que depressão é um caso sério, e hoje em dia muita gente sofre de depressão sem saber.

Qualquer que seja o problema dela, me corta o coração cada vez que a vejo sentada naquele banco, parada, inerte, congelada no tempo. Sempre com seus vestidos floridos e cabelos em coque. As bolsas, umas maiores outras menores do lado, sempre olhando no final da rua, esperando algo que não vem, aguardando um destino ignorado.

Por vezes, tenho pesadelos em que sou essa pobre mulher, e acordo gritando. Não com pena dela. Com pena de mim mesma. E medo. Muito medo de acabar assim, esperando por algo que nunca virá; vivendo uma vida vazia enquanto espero um fim.

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