sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Diferente

Desde criança sei que não sou como os demais. Algo dentro de mim nunca pareceu certo, e foi bem antes do divórcio dos meus pais. Não adianta jogar a culpa nisso agora, como eu vejo muita gente fazendo: "ahn, é culpa dos meus pais que não me amavam, é culpa do meu pai ter saído de casa, é culpa da minha mãe ter fugido com outro homem". Não é meu caso; sempre fui diferente de todos os outros, mesmo antes de saber o que significava.

Na escola eu tinha notas médias, era mais um rosto na multidão de meninas e meninos. Escola pública, não podia esperar muita qualidade ou exclusividade; andava com ambos grupos e ninguém parecia se importar; podia ser apenas a representação de mim enquanto estava com eles.

Mas nada permanece igual por muito tempo, as coisas sempre mudam, sempre se alteram, e quase sempre de forma desagradável para aqueles que são minoria. A minha diferença começava a gritar pros outros, começava a impedir que as outras pessoas chegassem a mim e vice-versa. Enquanto que pra mim, continuava a mesma pessoa, nos mesmos mínimos detalhes, fazendo as mesmas coisas.

A adolescência chegou, o corpo começou a mudar, e não sei como, mas o meu mudava ainda mais devagar. Parecia que eu não ia mudar. Eu não queria mudar. As meninas já desfilavam com seus sutiãs, os meninos exibiam orgulhosos sua penugem debaixo do braço e eu mostrava um sorriso amarelo de descontentamento.

Casais começaram a surgir. Bilhetinhos trocados, passados de mão em mão durante as aulas. Mãos dadas no intervalo. Aquele roçar de lábios com a boca fechada que chamavam de beijo. Mas não comigo, nunca pra mim. Ou assim eu achava.

O nome dela era Laura, e no momento em que eu a vi, tudo ficou diferente. Algumas semanas se passaram até eu vê-la de novo. Conversamos; ela riu, me olhou esquisito e se despediu. Não mais a vi. Ainda sonho com ela de vez em quando, do sorriso sem-graça, do olhar desejando que eu saísse de perto; meu peito dispara quando acordo. Dá uma sensação triste de vazio; o peso de ser diferente faz com que minhas costas se curvem aos poucos, ou assim parece.

Meses se passam, muitos meses na verdade; os anos vão se passando devagar, e eu vejo as pessoas mudando, a cidade mudando, o peso da diferença nas minhas costas cada vez maior. Lido com os olhares, os insultos, as pessoas que não entendem ou não querem entender como sou.

Um dia, voltando à noite, um pastor me abordou, me jogou no chão e orou pela minha alma, enquanto mulheres vestindo sacos, ou túnicas gritavam ao seu redor. Enquanto eu me recompunha e corria, me chamavam de demônio, mandavam eu voltar pro inferno. Não é o tipo de coisa que vemos.

Eu sei que tem algo diferente com a minha cabeça, e sou feliz com isso, não entendo a necessidade dos outros de me dizerem que é feio, que é errado, que é imoral. Não entendo a necessidade dos outros de se provarem tão melhores que eu em coisas com as quais não me importo.

Pessoas diferentes são protagonistas das mesmas tragédias, incapazes de mudar, sofrem sozinhas; buscam apoio em psicólogos, psiquiatras; buscam refúgio na bebida, nas drogas, no sexo... eu nem sei como são essas coisas. Masturbação mesmo eu só fui saber exatamente como era quando já tinha meus 16 anos. E olha que não achei lá essas coisas.

E eu vejo que as tragédias aumentam cada vez mais, e cada vez mais as pessoas me urgem a deixar esse meu lado diferente, a abraçar o que é comum, o que é certo, o que todos fazem. Cortar laços com as coisas erradas.

Então, com a pequena faca de limpar carne da cozinha, eu me livro do que é diferente, procuro fazer rápido pra não sentir dor.

O baque surdo não acorda ninguém, e o último barulho de que me dou conta é de um pequeno esguichar de  sangue que sai do meu pescoço.

Se não pensar, não preciso ser diferente; se não tivesse a cabeça que tenho, seria mais fácil.

Quem sabe agora pode ser fácil...


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